Fuga de crianças, janelas apedrejadas e menores com faca: especialista diz que acolhidos de abrigo de Maringá estão dando 'grito de socorro'
28/05/2025
(Foto: Reprodução) Em menos de três dias, quatro fugas de crianças foram registradas no abrigo. Em uma delas, vidros foram quebrados e crianças foram vistas no telhado. Conforme a prefeitura, acolhidos foram removidos do abrigo e levados para locais provisórios, até que um local definitivo seja providenciado. Crianças são transferidas de abrigo municipal
Uma nova confusão foi registrada na noite de terça-feira (27) no Abrigo Municipal Infantil de Maringá, no norte do Paraná. Dessa vez, crianças saíram do imóvel onde fica o abrigo, foram para a rua em frente ao abrigo e atiraram pedras. O local foi depredado e crianças foram vistas com facas em frente ao local. Conforme a prefeitura, acolhidos foram removidos do abrigo e levados para locais provisórios, até que um local definitivo seja providenciado.
Em menos de três dias, quatro fugas de crianças haviam sido registradas no abrigo. Em uma delas, houve outra confusão, onde vidros foram quebrados com pedras, crianças foram vistas no telhado do prédio e servidores foram agredidos.
Para a coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Defesa da Criança e do Adolescente (NPCA) da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Paula Marçal Natali, crianças acolhidas no abrigo estão dando "grito de socorro". Leia mais abaixo.
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O g1 e a RPC optaram por não divulgar imagens das crianças, para preservar a identidade e integridade dos menores e servidores.
As duas primeiras fugas aconteceram no último domingo (25) e foram atendidas pela Polícia Militar (PM-PR) e pelo Conselho Tutelar. A terceira foi registrada na noite de segunda-feira (26) e a quarta na tarde desta terça-feira (27).
Janelas do abrigo foram quebradas com pedras.
Alex Magosso/RPC
A Prefeitura de Maringá publicou um comunicado oficial dizendo que lamenta a situação e informou que está tomando todas as medidas necessárias para solucionar o problema de forma definitiva e garantir a segurança e os direitos das crianças acolhidas.
O município ainda informou que durante a confusão, duas crianças tiveram ferimentos superficiais e foram atendidas pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
Após os problemas registrados no Abrigo Municipal Infantil de Maringá, a prefeitura da cidade se comprometeu com a criação de um novo abrigo. Segundo a prefeitura, com autorização do Conselho Tutelar, as crianças acolhidas foram transferidas provisoriamente para um outro espaço, até que o novo imóvel seja preparado. Outras crianças também foram acolhidas temporariamente por educadores com vínculo afetivo, que assinaram um termo de responsabilidade, e por famílias acolhedoras. O processo de transferência foi realizado por gênero e faixa etária.
O município disse que está em busca de outro imóvel para receber o abrigo infantil de forma definitiva. O abrigo atual passará por uma vistoria para levantar os danos causados pela depredação.
A prefeitura também informou que remanejou servidores de outras secretarias municipais para auxiliar no atendimento às crianças. Disse ainda que há um concurso público vigente para contratação de novos educadores e 16 profissionais habilitados já foram convocados para trabalhar na Assistência Social do município.
Na manhã desta quarta-feira (28), também foi realizada uma reunião com representantes das secretarias municipais envolvidas e do Conselho Tutelar para tratar das próximas ações.
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Servidores foram agredidos
À RPC, uma servidora disse que foi agredida com uma pedrada no braço por uma das crianças.
"Fugiu do controle, nós não estamos aguentando mais. É pressão, fogem para a rua direto. Inclusive eu estava indo para o banheiro e levei uma pedrada. As crianças ficam em cima da casa e fazem gestos obscenos pra gente, xingam a gente, mordem, chutam. Vocês não têm noção do que a gente passa aqui dentro", afirmou a servidora.
Outra servidora também foi atingida por uma pedrada na barriga e recebeu atendimento médico.
Ana Lucia Araújo, que é secretária-geral do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Maringá(Sismar), revelou à RPC, que ouviu de servidores do local que há problemas com a estrutura, falta de material de trabalho e falta de mão de obra.
"A gente vem acompanhando diversas situações relacionadas especificamente à segurança dos servidores e dos abrigados. A escuta que fizemos com os servidores que trabalham nesse local é que eles precisam que sejam tomadas providências com relação à segurança e atendimento das crianças. Algo precisa ser feito", explicou Ana Lucia.
Especialista diz que crianças estão dando "grito de socorro"
Abrigo foi destruído na noite desta terça-feira (27).
Alex Magosso/RPC
Para Paula Marçal, coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Defesa da Criança e do Adolescente (NPCA) da Universidade Estadual de Maringá, as atitude das crianças acolhidas no abrigo representam um "grito de socorro". Ela afirma que a situação chegou ao limite e acredita que isso fez com que os acolhidos encontrassem na violência e nas fugas uma forma de serem escutados e de expressarem uma série de violações que ocorreram ao longo do tempo.
"As crianças em situação de acolhimento têm direitos que todas as crianças têm e todos eles são preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que é o direito à saúde, à educação de qualidade, à convivência comunitária, ao acesso à cultura. No município de Maringá a gente vê que há cinco anos que as crianças acolhidas não estão numa situação de proteção e sim de desproteção social", considerou Paula.
A coordenadora afirma que colocar em prática o plano de acolhimento que o município já possui, seria como um ponto de partida para solucionar os problemas existentes. Paula diz que o trabalho de acolhimento é um serviço de alta complexidade, pois exige profissionais qualificados, ambientes preparados e agradáveis, além de casas menores e educadores sociais com ensino superior para promover o desenvolvimento humano das crianças.
"Elas estão numa situação em que o poder público tem que protegê-las e não condená-las. Elas precisam se sentir em casa. Se elas não estão em casa e a casa delas é o acolhimento, ele tem que proporcionar tudo que se exige de uma casa e de uma família", explicou a coordenadora.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Maringá informou, em nota, que foi designada uma comissão especial, formada por representantes da Comissão de Direitos Humanos e da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente, após uma vistoria no abrigo.
Segundo a OAB, a comissão está elaborando um relatório, que servirá de base para avaliar quais medidas e providências devem ser adotadas.
Como as fugas ocorreram
Crianças quebram janelas e sobem em telhado de abrigo
RPC
No primeiro registro de fuga, a Prefeitura de Maringá informou que seis crianças, com idades entre 7 e 9 anos, saíram do abrigo. Elas foram encontradas entre a noite de domingo e a madrugada desta segunda-feira (26). Em entrevista à RPC, o secretário municipal de Assistência Social, Leandro Bravim, explicou que a fuga foi notificada assim que os funcionários perceberam que as crianças não estavam no local.
Contudo, as informações divergem das repassadas pela Polícia Militar, que auxiliou na busca pelos menores. A PM informou que a corporação foi acionada duas vezes durante a noite de domingo para auxiliar no atendimento das ocorrências.
Na primeira vez, foi relatado no boletim de ocorrência que seis crianças fugiram antes do horário de almoço e foram encontradas por volta das 21h na Avenida Brasil. Em seguida, o Conselho Tutelar foi acionado e encaminhou as crianças de volta ao abrigo.
Segundo a polícia, no segundo acionamento, por volta das 23h45, cinco crianças escaparam do abrigo, sendo que três delas já tinham participado da primeira fuga. Elas foram encontradas nas proximidades da Avenida Mandacaru. Conforme a PM, os menores tinham sido acolhidos por um morador da região e depois foram levados de volta ao abrigo pelo prefeito da cidade Silvio Barros (PP). Procurada pelo g1, a prefeitura não confirmou as informações sobre a segunda fuga.
Na noite de segunda-feira, outras quatro crianças fugiram mais uma vez, sendo levadas de volta para o abrigo em seguida. Neste registro, a Polícia Militar disse que não foi acionada.
Na tarde de terça-feira, foi registrada a saída de outros menores do abrigo. Conforme apurado pela RPC, a Guarda Municipal atendeu o caso e um dos agentes, que conhecia uma das crianças, conseguiu convencê-las a voltarem para o abrigo. Neste registro, cerca de sete menores foram encontrados nos arredores do abrigo.
Polícia Civil está investigando o caso
Crianças quebram janelas e sobem em telhado de abrigo
A Polícia Civil (PC-PR), por meio do Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente (Nucria), também vai investigar o caso. Nesta terça-feira, a delegada Karen Nascimento esteve no local, acompanhada de um investigador e duas psicólogas, e realizou uma escuta especializada com as crianças. A diretora do abrigo também foi ouvida.
Segundo a delegada, existem 26 crianças no abrigo e quatro servidores atuam no atendimento dos menores. Karen ainda apontou que há um déficit de funcionários e que o local não possui estrutura adequada para atender as crianças.
"Nós verificamos que, segundo o relato da diretora, há um déficit de servidores. Então falta efetivo para conseguir acompanhar e atender essas crianças. A estrutura também não é adequada a uma casa de acolhimento e não está preparada para atender essas situações", contou a delegada.
A delegada informou que outros três servidores serão ouvidos. O relatório das escutas deve ser entregue ao Nucria ainda nesta semana.
O que diz o Conselho Tutelar
O Conselho Tutelar de Maringá enviou uma nota ao g1, na qual afirmam que o caso não é um fato isolado e que se trata de "um reflexo do colapso do sistema de acolhimento institucional na cidade". O órgão também informou que a situação já havia sido denunciada há anos e providências estruturais efetivas não foram adotadas pelo poder público municipal.
"Ressaltamos que a situação estrutural e operacional dos serviços de acolhimento institucional no município é critica e insustentável há bastante tempo, sendo alvo de constantes manifestações, orientações e encaminhamentos por parte do Conselho Tutelar", informou a nota.
O Conselho ainda informou que a situação foi documentada e formalmente comunicada por meio de canais oficiais do município, por ofícios, relatórios, reuniões e visitas técnicas. Também informou que existe uma Ação Civil Pública que resultou em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre a Prefeitura de Maringá e o Ministério Público do Paraná (MP-PR).
O termo estabeleceu obrigações específicas relacionadas à estrutura e funcionamento dos serviços de acolhimento institucional, e prevê sanções e multas em caso de descumprimento.
"Estamos diante de agressões institucionalizadas. Os Conselhos Tutelares esclarecem ainda que atuações emergenciais têm sido frequentes, a fim de garantir a proteção integral das crianças e adolescentes. Mas as medidas pontuais não são suficientes diante da precariedade da rede de atendimento", informou o Conselho.
Em nota enviada pela prefeitura de Maringá na tarde de terça-feira (27), a administração municipal afirmou que o abrigo infantil é alvo de uma Ação Civil Pública desde maio de 2023, motivada por situações que se desenvolveram durante a gestão anterior. Disse ainda que a atual administração tem tratado o tema como prioridade e já vem adotando uma série de medidas emergenciais, com o objetivo de garantir o bem-estar das crianças.
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